A Xenofobia Burocrática em Portugal

AIMA, UNEF e o Novo Cerco aos Imigrantes

Portugal atravessa uma fase crítica nas suas políticas migratórias. Sob o argumento de “controlo” e “ordem”, o Governo e a maioria parlamentar de direita têm vindo a endurecer as regras aplicadas a imigrantes, apostando numa lógica punitiva e excludente. A Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) e a recém-criada Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF) da PSP parecem ser os braços operacionais dessa nova linha política, marcada por um aumento da burocracia e do controlo securitário.

Fim dos Atestados das Juntas de Freguesia: Um Obstáculo com Marca de Classe

Durante décadas, as juntas de freguesia desempenharam um papel central no processo de regularização dos imigrantes em Portugal, emitindo atestados de residência utilizados junto do antigo SEF e, mais recentemente, da AIMA. Esta prática, baseada numa relação de proximidade e conhecimento direto das comunidades, foi abruptamente substituída.

A nova exigência da AIMA obriga, agora, que no caso de habitação arrendada, tanto inquilino como senhorio assinem uma declaração sob compromisso de honra, com assinatura presencialmente reconhecida por advogado, solicitador ou notário. Esta alteração representa uma verdadeira barreira burocrática, especialmente penalizadora para os imigrantes em situação de maior fragilidade económica.

A medida tem um claro recorte de classe. Não afecta os detentores de Vistos Gold, os imigrantes com poder económico ou os que já são proprietários de imóveis. São os mais pobres — muitas vezes em situações precárias, com rendas informais ou sem contratos formais — os primeiros a serem atingidos.

AIMA e a Retenção Silenciosa: A Liberdade em Suspenso

AIMA e a Retenção Silenciosa: A Liberdade em Suspenso

Outra consequência grave da desorganização e lentidão da AIMA é a retenção de facto de milhares de imigrantes em território português. Sem um documento válido de autorização de residência, qualquer viagem ao estrangeiro torna-se arriscada. Muitos têm sido impedidos de regressar a Portugal ou até deportados de países do Espaço Schengen, por falhas nos sistemas de informação.

Um dos casos mais mediáticos foi o de uma mulher brasileira impedida de reentrar no país, separada do marido e dos filhos menores no aeroporto, por constar com dados incompletos na base da AIMA. Acabou deportada para o Recife.

Este tipo de situações revela não só falhas técnicas, mas uma grave violação dos direitos humanos e familiares, afectando especialmente mulheres e crianças.

UNEF: Um Novo SEF com Nome Diferente

A criação da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF), uma divisão da Polícia de Segurança Pública, marca o regresso de um modelo policial na abordagem às questões migratórias. Apelidada de “mini-SEF”, a UNEF já tem demonstrado uma actuação repressiva, com o aumento das não admissões à entrada no país e operações dirigidas a imigrantes em situação documental irregular.

É legítimo questionar quais serão os próximos passos. Com a UNEF a herdar cerca de 100 mil processos de afastamento coercivo anteriormente sob responsabilidade do SEF e da AIMA, é expectável um crescimento exponencial das cartas de afastamento do território nacional — a antecâmara da expulsão forçada.

A Nova Lei dos Estrangeiros: Uma Estratégia de Exclusão

O discurso político dominante assenta na ideia de que há imigrantes “a mais” em Portugal. O número de 1,6 milhões de estrangeiros, publicitado pelo Governo, tem sido questionado por entidades como o Instituto Nacional de Estatística e até pelo próprio Presidente da República. A narrativa de “excesso” serve, no entanto, como base para endurecer a legislação.

A nova Lei dos Estrangeiros — ainda suspensa por inconstitucionalidades — parece desenhada para restringir a entrada de novos imigrantes, dificultar o reagrupamento familiar e promover, de forma indireta ou direta, o retorno forçado de muitos dos que aqui residem.

Excluem-se desta política os detentores de Vistos Gold, os estudantes estrangeiros que financiam o ensino superior, os reformados oriundos da Europa, do Brasil ou dos Estados Unidos e os profissionais altamente qualificados. Esta “seleção” evidencia uma política migratória elitista, onde apenas os economicamente úteis ou financeiramente confortáveis são bem-vindos.

Conclusão: Um Tempo de Regressão dos Direitos

Nos próximos meses, é expectável um aumento na emissão de cartas de afastamento e detenções de imigrantes em situação irregular. A grande questão permanece: o que fará a UNEF com estes milhares de processos? Implementará expulsões em massa? Ou criará, à semelhança de outros países europeus, uma bolsa crescente de imigrantes em situação irregular, à mercê de exploração laboral e exclusão social?

Vivemos tempos de crescente desumanização, não só em Portugal, mas em várias partes do mundo. A hostilidade para com os refugiados e migrantes alimenta populismos, reforça partidos de extrema-direita e mina os pilares democráticos erigidos após a Segunda Guerra Mundial, como a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Como bem observou o jornalista Manuel Carvalho, recentemente:
“André Ventura sente que as portas do poder se abriram finalmente. E abriram-se por capitulação. O Governo vai a seu reboque no tema fundamental da sua agenda xenófoba: a imigração.”

Neste contexto, resistir à desumanização torna-se não só um dever político, mas um imperativo ético.

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