Intervenção da UNEF em pleno horário de funcionamento de um salão de beleza levanta questões sobre o verdadeiro compromisso de Portugal com uma política migratória humanista.
Na passada segunda-feira, 22 de Setembro, cerca do meio-dia, quatro mulheres – três das quais cidadãs brasileiras – foram abordadas por sete agentes da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF), num salão de beleza localizado em Queluz, na zona metropolitana de Lisboa. A operação teve como objectivo a verificação do estatuto legal das mulheres em território português, com a exigência imediata da apresentação de documentação.
Apesar de legalmente prevista, a acção da UNEF, unidade recentemente criada para reforçar o controlo sobre a imigração em Portugal, foi fortemente criticada pelo seu tom intimidatório e agressivo. As mulheres relataram ter sido tratadas como criminosas, em clara contradição com o discurso do Governo, que tem defendido uma política migratória “humanista” e de “dignidade” para os imigrantes.
“Senti-me como uma bandida”, afirma Ariana Vitória de Santana, de 31 anos, ao jornal PÚBLICO Brasil. A cidadã brasileira, que exerce a profissão de cabeleireira em Lisboa, encontrava-se no salão apenas como cliente, a fazer unhas e pestanas, quando foi surpreendida pela presença policial. Com os olhos vendados devido ao tratamento estético, foi interpelada e obrigada a justificar a sua presença no país.
Ariana explicou aos agentes que trabalha num salão de beleza na Avenida da Liberdade, contribui mensalmente para a Segurança Social e que, apenas este ano, pagou cerca de 1.800 euros em impostos. Apresentou, ainda, um comprovativo de que se encontra com processo de autorização de residência pendente junto da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).
Contudo, ao mostrar o e-mail da AIMA que confirma o andamento do seu processo, terá sido confrontada com uma ameaça explícita: “Se esse comunicado da AIMA for falso, levo-a presa”, terá dito um dos agentes. “Mesmo nervosa, respondi que não precisava de falsificar nada. Vim viver para Portugal por acreditar que era um país tranquilo e justo, onde o respeito pelas pessoas impera. Fugi da violência do Rio de Janeiro, e agora tenho medo da polícia em Portugal”, lamenta Ariana.

Falta de respostas institucionais
Até ao fecho da edição, nenhuma das entidades contactadas — Polícia de Segurança Pública (PSP), AIMA ou o gabinete do ministro da Presidência, António Leitão Amaro — se pronunciou sobre o caso.
As restantes três mulheres abordadas pela UNEF estavam também em situação regular: duas com autorização de residência e uma à espera da emissão do respectivo cartão de residência pela AIMA.
Intimação à AIMA e o papel da Justiça
Ariana, que chegou a Portugal em Abril de 2024, poucos dias antes de o Governo de Luís Montenegro extinguir o mecanismo da manifestação de interesse — que facilitava a legalização de imigrantes —, foi intimada a comparecer esta quinta-feira (25 de Setembro) na sede da AIMA, na Avenida António Augusto de Aguiar.
“Estarei lá com a minha advogada. Tenho um documento da AIMA que comprova que solicitei a minha autorização de residência ao abrigo do acordo da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa)”, explica. Este acordo mantém-se em vigor na sua totalidade, após o Tribunal Constitucional ter derrubado parte do chamado pacote anti-imigração.
A advogada Simone Marins reforça a legalidade da situação da sua cliente: “Ariana está dentro da lei. A polícia não pode ultrapassar decisões judiciais nem levantar suspeitas infundadas. O que vemos aqui é um Estado que não cumpre a própria legislação.”
Clima de medo e sentimento de perseguição
Para Ariana, a abordagem da UNEF reflete uma perigosa inversão de valores. “Portugal não pode transformar um aperto legislativo numa caça às bruxas”, afirma. “Nenhuma de nós se recusou a colaborar. Mas fomos tratadas com arrogância. Será que os agentes agem assim perante criminosos de verdade?”, questiona.
“Somos trabalhadoras. Contribuímos para a economia portuguesa. Faço tudo conforme manda a lei porque quero viver aqui sem problemas. É revoltante passar por isso. Estamos a ser humilhadas simplesmente por sermos imigrantes”, desabafa a cabeleireira.
Conclusão
O episódio em Queluz levanta sérias preocupações sobre a actuação das autoridades portuguesas no contexto da nova abordagem à imigração. A promessa de um modelo humanista e digno parece estar em desacordo com práticas intimidatórias e potencialmente discriminatórias. Casos como o de Ariana pedem não apenas respostas institucionais, mas também uma reflexão urgente sobre a coerência da política migratória em Portugal.
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