Gilmar Mendes alerta para o impacto das novas leis de estrangeiros em cidadãos brasileiros e sublinha a urgência de restaurar a confiança entre os dois países.
Lisboa foi palco, recentemente, do segundo Fórum para o Futuro da Tributação, promovido pelo Fórum Integração Brasil-Europa. À margem do evento, o juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil, Gilmar Mendes, concedeu uma entrevista à CNN Portugal, onde abordou temas como a migração, a relação luso-brasileira e os desafios colocados pelo populismo.
Entre os tópicos mais sensíveis, destacou-se a recente alteração à Lei de Estrangeiros aprovada pela Assembleia da República, que, segundo o magistrado, poderá prejudicar diretamente a comunidade brasileira residente ou em processo de migração para Portugal.
“Portugal precisa de reparar prontamente o carácter desorganizado e caótico dos seus serviços de imigração”, afirmou o ministro, referindo-se a relatos de cidadãos que receberam, simultaneamente, notificações contraditórias – uma ordenando deportação e outra atestando a regularidade da sua situação no país.
Relação bilateral sob tensão: diálogo antes da reciprocidade
Questionado sobre a possibilidade de o Brasil adoptar uma política de reciprocidade em resposta às alterações legislativas portuguesas, Mendes foi cauteloso:
“Penso que deve haver, antes de mais, um diálogo. O Brasil oferece aos portugueses um tratamento constitucional muito generoso, permitindo até a ideia de dupla cidadania. Espero que essa generosidade encontre correspondência.”
O juiz sublinhou que o maior problema actual não reside tanto nas leis em si, mas na má gestão e ineficácia dos serviços administrativos portugueses, o que alimenta a insegurança jurídica e o receio entre os imigrantes brasileiros.
Xenofobia em Portugal: uma realidade a ser enfrentada
Gilmar Mendes não ignorou a crescente preocupação com episódios de xenofobia contra cidadãos brasileiros e luso-brasileiros em território português.
“É fundamental que este tema seja transmitido às autoridades portuguesas. Também as autoridades brasileiras devem estar informadas e demonstrar o desconforto causado por estas situações.”
Segundo o magistrado, a omissão ou desvalorização deste fenómeno pode gerar ressentimento e abalar a tradicional relação de amizade entre os dois povos.
Populismo e democracia: o exemplo brasileiro como alerta
No contexto político mais alargado, Gilmar Mendes refletiu ainda sobre os riscos do populismo e o impacto da tecnologia nas democracias contemporâneas. Apontando a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro como um marco importante, destacou:
“Pela primeira vez na História republicana do Brasil, um autor de tentativa de golpe, juntamente com os seus associados, foi efectivamente responsabilizado. Isso demonstra a força e a resiliência das instituições democráticas brasileiras.”
Mendes considerou que este episódio oferece uma lição importante ao mundo, num momento em que várias democracias enfrentam retrocessos preocupantes.
Eleições em Portugal: um apelo à responsabilidade democrática
Com eleições legislativas à vista em Portugal e o crescimento da direita populista nas sondagens, o juiz brasileiro preferiu não fazer previsões, mas deixou um aviso:
“Espero que os episódios vividos no Brasil sirvam de lição a eleitores de outras nações amigas. Que saibam fazer escolhas que salvaguardem a democracia e evitem novos constrangimentos institucionais.”