A Crise da Habitação
A habitação em Portugal tem-se afirmado como um dos maiores desafios sociais e económicos da atualidade. Nos últimos anos, o país tem enfrentado uma crise habitacional sem precedentes, marcada pela escalada dos preços da compra e arrendamento, pela escassez de oferta acessível e por profundas desigualdades no acesso a um bem essencial. Apesar dos esforços legislativos e da criação de programas governamentais, a resposta tem sido insuficiente para travar a tendência de exclusão habitacional e para garantir uma habitação condigna à generalidade da população.

Uma Crise que se Aprofunda
O ano de 2024 ficou assinalado por um aumento significativo nas transações imobiliárias e nos preços praticados, revelando as dificuldades persistentes em equilibrar a oferta com a procura real do mercado. Os elevados custos de construção, a fiscalidade onerosa e a gestão ineficaz do património público agravaram o cenário, tornando a habitação cada vez mais inacessível. Portugal continua a posicionar-se entre os países europeus com maiores obstáculos no acesso a habitação adequada, consequência direta de políticas desajustadas, especulação imobiliária e do acentuar das desigualdades sociais.
Preços Elevados e Estabilização em Níveis Inacessíveis
Embora se preveja uma estabilização dos preços das habitações em 2025, esta deverá ocorrer em patamares historicamente altos. Tal realidade continuará a excluir grande parte da população do mercado habitacional, sobretudo os mais jovens e as famílias de baixos rendimentos. No arrendamento, a forte procura manterá os valores em alta, colocando muitas famílias em situações de vulnerabilidade económica e habitacional.
Construção em Crescimento, Acessibilidade em Queda
Apesar das previsões de retoma na construção de novas habitações – impulsionada pelo recomeço de projetos anteriormente suspensos – os custos elevados de terrenos, materiais e impostos lançam dúvidas sobre a real acessibilidade destas novas unidades. A construção tende a responder mais à procura de segmentos de rendimento elevado, sem resolver a profunda crise de acessibilidade que afeta as franjas mais vulneráveis da sociedade.
Iniciativas Governamentais e Impacto Limitado
O Governo português tem apresentado diversas iniciativas para mitigar a crise habitacional, como incentivos fiscais e parcerias público-privadas. No entanto, estas medidas têm sido amplamente criticadas por beneficiarem apenas uma parte restrita da população e por não enfrentarem as causas estruturais do problema. A regulação do mercado habitacional permanece insuficiente e desajustada, falhando em equilibrar a dinâmica entre oferta e procura.
Aprofundamento das Desigualdades Sociais
A crise habitacional tem vindo a acentuar clivagens sociais, com o aumento de fenómenos como o número de pessoas em situação de sem-abrigo, os despejos silenciosos e a proliferação de habitações degradadas. A coexistência de comunidades em situação de luxo com outras a viver em condições precárias evidencia uma crescente polarização e segregação social, contribuindo para um país cada vez mais desigual.

Fatores que Contribuem para o Aumento dos Preços Imobiliários
O aumento sustentado dos preços dos imóveis, particularmente nas zonas urbanas e turísticas, resulta de múltiplos fatores:
- Procura Externa: O interesse de investidores estrangeiros tem elevado os preços, especialmente em Lisboa e no Porto.
- Turismo e Alojamento Local: A expansão do turismo e a reconversão de imóveis em alojamento local têm reduzido a oferta habitacional permanente.
- Políticas de Atração de Investimento: Iniciativas como os Vistos Gold e o regime de residentes não habituais contribuíram para a valorização artificial dos imóveis.
- Escassez de Oferta: A recuperação lenta do setor da construção e a excessiva burocracia nos licenciamentos limitaram a criação de nova oferta habitacional.
Causas Estruturais Adicionais
Outros fatores estruturais têm acentuado a crise:
- Desigualdade de Rendimento: O aumento dos preços dos imóveis não tem sido acompanhado por uma evolução proporcional dos salários.
- Políticas Públicas Ineficientes: A falta de uma política nacional robusta para a habitação acessível tem contribuído para a persistência do problema.
- Gentrificação: A reabilitação de zonas urbanas tem, muitas vezes, resultado na expulsão de residentes históricos, devido ao aumento dos custos habitacionais.

Programa “Mais Habitação” – Medidas Recentes
Em resposta à crise, o Governo lançou o programa “Mais Habitação”, que tem sofrido sucessivas alterações entre os Executivos XXIII e XXIV. As principais medidas incluem:
- Incentivos à Construção e Reabilitação: Apoios financeiros e fiscais para aumentar a oferta de habitação acessível.
- Regulação do Arrendamento: Limitação de aumentos abusivos de rendas e reforço da proteção aos inquilinos.
- Apoio Social e Fiscal: Isenções fiscais para proprietários que pratiquem rendas acessíveis e apoios às famílias carenciadas.
- Medidas para Jovens até 35 anos:
- Subsídios ao arrendamento;
- Linhas de crédito bonificadas para aquisição da primeira habitação;
- Reduções no IMT e IMI.
- Revisões Contínuas: O programa tem sido objeto de ajustes frequentes para se adaptar às dinâmicas do mercado, nomeadamente nos critérios de elegibilidade e incentivos financeiros.
A crise habitacional em Portugal é um problema estrutural, multifatorial e persistente. Apesar dos esforços legislativos e das medidas lançadas pelos sucessivos governos, os resultados têm sido limitados face à dimensão e complexidade do desafio. É urgente adotar uma estratégia nacional integrada, que promova a habitação como um direito fundamental e que responda de forma eficaz à crescente exclusão habitacional, assegurando condições de vida dignas para todos os cidadãos.