O que mudou e o que foi aprovado
A nova Lei dos Estrangeiros foi aprovada recentemente na Assembleia da República, suscitando debate político e reacções divergentes entre os partidos. Apesar de algumas cedências, como o recuo na proposta de espera para casais com filhos, o Governo manteve exigências rigorosas para outros familiares e manteve excepções para os chamados “vistos gold” e para trabalhadores altamente qualificados.
A vitória reclamada pelo PSD

Hugo Soares, deputado do PSD, reagiu com entusiasmo à aprovação da lei, classificando-a como uma “vitória dos portugueses e das portuguesas”. Nas suas declarações, negou qualquer acordo com o CHEGA, referindo antes os apoios da Iniciativa Liberal (IL) e do Juntos Pelo Povo (JPP). No entanto, importa notar que os votos do Chega foram cruciais para garantir a aprovação da proposta, ao contrário dos outros referidos.
Sobre uma proposta inicialmente levantada pelo Chega — que previa que os imigrantes só pudessem aceder a apoios sociais após cinco anos de residência — Hugo Soares rejeitou a ideia, afirmando que o combate ao abuso e à fraude deve ser uma responsabilidade de todos. No entanto, não apresentou qualquer dado concreto que comprove situações de abuso por parte da população imigrante.
Críticas da oposição
José Luís Carneiro, líder parlamentar do PS, acusou o Governo de ter aprovado a lei com objectivos eleitoralistas, dada a proximidade das eleições autárquicas. Criticou ainda a aproximação ao Chega e justificou o voto contra do PS com a rejeição, por parte do Governo, das propostas apresentadas pelo seu partido, que considerou “boas para o país”.
Também o deputado Paulo Muacho, do Livre, defendeu que o texto final da lei deveria ser novamente enviado ao Tribunal Constitucional para reavaliação da sua conformidade com a Constituição.
Processo legislativo: os próximos passos
Com a aprovação parlamentar concluída, o diploma segue agora para o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que dispõe de oito dias para se pronunciar. Numa declaração anterior, Marcelo indicou que deverá promulgar a lei, afirmando mesmo que não se recorda de alguma vez ter vetado ou reenviado uma lei duas vezes para o Tribunal Constitucional.
Depois da promulgação, o texto será publicado em Diário da República, entrando em vigor na data aí definida, podendo ser já no dia seguinte à publicação.
Aprovada com o apoio do Chega e da IL
A nova lei foi viabilizada graças aos votos favoráveis do Chega e da Iniciativa Liberal. O PS, o Livre e os restantes partidos à esquerda votaram contra. Durante a votação na especialidade, algumas alterações foram aprovadas com votos distintos, ora do Chega, ora do PS, o que confirma que houve negociações com vários partidos — embora o conteúdo específico dessas alterações ainda não tenha sido divulgado.
Propostas da oposição rejeitadas
Até ao momento, as primeiras propostas de alteração apresentadas pelo PS e pelo Livre foram chumbadas, sinalizando uma linha de aprovação fortemente condicionada pelos partidos à direita.

o que muda afinal na lei de estrangeiros?
Fim do prazo mínimo de dois anos para reagrupamento familiar (com exceções)
Uma das principais alterações diz respeito ao reagrupamento familiar. Na versão anterior, entretanto considerada inconstitucional, era exigido um período mínimo de dois anos de residência legal em Portugal para que um cidadão estrangeiro pudesse solicitar o reagrupamento de familiares que se encontrassem fora do território nacional.
Com a nova redação:
- O prazo de dois anos foi eliminado para cônjuges ou parceiros de facto, desde que existam filhos menores ou incapazes a cargo.
- Para outros familiares, mantém-se uma limitação temporal, mas esta foi reduzida para um ano.
- Os titulares de autorizações especiais de residência (nomeadamente nos termos dos artigos 90.º, 90.º-A e 121.º-A da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho) continuam isentos de qualquer prazo mínimo de residência para requerer o reagrupamento.
Nova exigência de tempo de coabitação no estrangeiro
Foi ainda introduzida uma proposta, aprovada por sugestão do partido Chega, que estabelece que:
- O cônjuge ou parceiro deve ter uma autorização de residência válida de pelo menos 15 meses.
- Deve existir prova de coabitação com o requerente durante 18 meses fora de Portugal, caso não existam menores ou incapazes no agregado familiar.
Casamentos forçados, poligâmicos ou com menores excluídos do reagrupamento
A nova legislação reforça os critérios de legalidade e validade do casamento:
- Excluem-se casamentos com menores, casamentos poligâmicos ou casamentos forçados, que não são reconhecidos pela ordem jurídica portuguesa.
Alteração dos prazos de decisão e local de pedido
O novo diploma determina que:
- O pedido de reagrupamento deve ser apresentado fora do território nacional.
- A AIMA (Agência para a Imigração e Mobilidade) dispõe agora de 9 meses para decidir, podendo o prazo ser prorrogado apenas em casos excecionais — uma melhoria em relação à proposta anterior que não contemplava salvaguardas para menores.
Requisitos mais exigentes para o alojamento
No regime atual, é suficiente comprovar a existência de “alojamento”. Com a nova lei, passa a ser exigido que o requerente comprove:
- A existência de alojamento próprio ou arrendado, considerado normal para uma família comparável na mesma região.
- Esse alojamento deve cumprir normas de segurança e salubridade, conforme portaria a publicar pelos Ministérios responsáveis pela Migração e Habitação.
Critérios de subsistência: o que muda e o que fica igual
Apesar de ter sido proposta uma norma que exigia a prova de “meios de subsistência para os cinco anos seguintes”, esta foi rejeitada. Assim:
- Mantém-se a exigência de prova de meios de subsistência no momento do pedido, sem contar com apoios sociais.
Renovação da autorização de residência com critérios mais apertados
A renovação da autorização de residência para reagrupamento familiar passa agora a depender de:
- Prova de alojamento condigno;
- Existência de meios de subsistência;
- Conhecimento da língua portuguesa, princípios constitucionais e valores fundamentais da sociedade portuguesa.
Ou seja, os critérios iniciais passam a ser verificados novamente no momento da renovação.
Acordos bilaterais com condições mais favoráveis
A proposta do PS, também aprovada, permite que:
- Em caso de acordos bilaterais entre Portugal e países terceiros, possam aplicar-se condições mais favoráveis ao reagrupamento familiar e à entrada de imigrantes.
- O objetivo é facilitar a mobilidade de trabalhadores para setores estratégicos, com medidas como:
- Prestação de informação no país de origem;
- Formação em língua portuguesa;
- Canais próprios para recrutamento;
- Proteção laboral e integração antes da chegada.
Medidas de integração passam a ser obrigatórias
Após a concessão de autorização de residência, o imigrante fica obrigado a cumprir medidas de integração, sendo este um novo critério obrigatório para a renovação da autorização. Apenas se a falta de cumprimento não for imputável ao requerente, poderá ser ponderada a renovação sem este requisito.
Direito ao recurso judicial reforçado
A nova versão da lei também:
- Refirma o direito ao recurso aos tribunais, incluindo a possibilidade de utilização do processo urgente de intimação, sempre que a inércia da Administração possa causar prejuízos imediatos e graves.
E quanto à constitucionalidade?
Embora a nova versão tenha procurado responder às críticas do Tribunal Constitucional, algumas dúvidas jurídicas poderão persistir, nomeadamente:
- Quanto à proporcionalidade das restrições ao reagrupamento de certos familiares;
- Ao prazo de nove meses para decisão, que poderá ainda suscitar debate.
Ainda assim, a versão agora aprovada é considerada por especialistas como mais equilibrada e preocupada com o superior interesse da criança.
E agora?
O diploma seguirá para o Presidente da República, que poderá:
- Promulgar;
- Vetar novamente;
- Ou solicitar fiscalização preventiva da constitucionalidade ao Tribunal Constitucional.
Paralelamente, também 46 deputados (um quinto da Assembleia) podem requerer a fiscalização do novo diploma.
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