Cidadã brasileira vê pedido de residência indeferido
Apesar de chamada para biometria, falha no sistema da AIMA impediu a conclusão do processo. Daniele Batista teme agora não conseguir regularizar-se nem visitar a mãe doente no Brasil.
O que parecia ser o passo final rumo à legalização em Portugal tornou-se um verdadeiro pesadelo para Daniele Batista, cidadã brasileira de 39 anos, residente em Paredes, no distrito do Porto. A 4 de Agosto, foi chamada pela Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), à estrutura de missão de Viana do Castelo, para realizar a biometria e submeter os documentos necessários ao pedido de autorização de residência. Contudo, no momento de finalizar o processo, o sistema informático da agência apresentou uma mensagem de erro e o pedido acabou por ser indeferido.
Processo interrompido por falha técnica
Daniele, natural de São Paulo, chegou a Portugal em Fevereiro de 2024, acompanhada pelo marido e pelas duas filhas menores, de 12 e 16 anos. Em Abril, após obter um contrato de trabalho, apresentou a manifestação de interesse — uma das últimas a ser submetida antes de a modalidade ser descontinuada.
“A atendente foi muito simpática e disse que estava tudo em ordem com a documentação. No entanto, ao tentar inserir os documentos no sistema da AIMA, surgiu uma mensagem de indeferimento. Não percebo como foi possível. Nunca cheguei sequer a enviar os documentos”, explica Daniele, visivelmente abalada com a situação.
Sem um comunicado oficial por parte da AIMA, Daniele encontra-se agora num limbo administrativo. “Se me dissessem ao menos qual o motivo da recusa, eu poderia contestar. Mas assim, nem sequer sei como reagir”, lamenta. Por orientação do advogado que acompanha o caso, Matheus Martins, solicitou uma declaração de presença no local de atendimento, para resguardar-se em caso de recurso judicial.

Uma batalha judicial para cada membro da família
A legalização da família foi sendo feita de forma individual, com obstáculos distintos para cada um. A filha mais velha foi a primeira a conseguir o título de residência, com um processo ágil: em cerca de um mês já tinha o agendamento e, passados 12 dias, recebeu o cartão. O marido, por outro lado, enfrentou entraves no processo de reagrupamento familiar e teve de recorrer aos tribunais, o que implicou um custo de 800 euros. Apenas seis meses depois obteve o agendamento.
Já Daniele, mesmo com ordem judicial favorável, aguardou oito meses até ser finalmente convocada. “Achei que ia começar uma nova etapa na minha vida. Marquei o dia do atendimento como o meu primeiro dia de férias. Trabalho numa mercearia desde que cheguei a Portugal”, conta.
Implicações pessoais e familiares
A indefinição no processo de Daniele tem repercussões também na vida da filha mais velha, cujo título de residência se encontra caducado. A jovem está impedida de participar no programa de mobilidade Erasmus, devido à exigência da residência legal válida. “Ela ia fazer uma viagem com a escola para a Croácia ou Bulgária, mas sem a renovação do cartão, não pode sair do país”, afirma a mãe.
Daniele tentou regularizar a situação através do portal da AIMA, destinado à renovação de documentos caducados, mas não obteve sucesso. “Preenchi tudo, apareceu que os dados estavam actualizados, mas não foi gerado o documento para pagamento. Sem isso, o processo não avança”, denuncia.
Medo de não conseguir regressar
A incerteza quanto à regularização impede também Daniele de visitar a mãe, que permanece no Brasil e sofre de problemas cardíacos. “Ela tem 75 anos e está doente. Eu queria ir vê-la, mas não posso correr o risco de sair de Portugal e depois não conseguir voltar. A minha vida está aqui agora”, desabafa.
Apesar de ter enviado múltiplos e-mails à AIMA, não obteve qualquer resposta. “Sinto que estamos entregues à sorte. Viemos para Portugal à procura de segurança e de melhores condições de vida. Vivíamos na Zona Leste de São Paulo, onde tínhamos medo de sair de casa. Aqui, acreditámos que teríamos paz e estabilidade. Agora, sinto-me impotente”, afirma.
“Situação surreal”, diz advogado
Para o advogado Matheus Martins, o caso de Daniele configura uma situação inédita. “Já assisti a muitas irregularidades na AIMA, desde atrasos superiores a 120 dias na entrega de documentos, até notificações para abandonar o país enviadas a pessoas com residência válida. Mas isto, de o sistema impedir a conclusão do processo e gerar um indeferimento automático, é surreal”, afirma.
Face à gravidade da situação, Daniele recorreu novamente ao tribunal a 1 de Outubro, solicitando novo agendamento junto da AIMA. Segundo o advogado, em casos de indeferimento, a lei prevê um prazo de dez dias úteis para que o requerente corrija as pendências do processo. Contudo, este procedimento não foi respeitado. “Neste caso, nem sequer foi permitido corrigir o suposto erro, porque o sistema bloqueou a submissão de documentos”, denuncia.
Um sistema em colapso
O caso de Daniele Batista vem somar-se a uma lista crescente de relatos de falhas nos sistemas da AIMA, que desde a extinção do SEF tem enfrentado sucessivas críticas devido à lentidão nos processos, falta de comunicação e problemas técnicos. Para muitos imigrantes em Portugal, o sonho da regularização legal está a transformar-se num labirinto burocrático sem saída.
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